quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O choque

"O que mais me impressionou nesse dia, porém, quando guardei meu caderno e vesti meu casaco para ir para casa, não foi a imagem fantasmagórica de Drácula em minha cabeça nem a nota descrevendo a empalação, mas o fato de que estas coisas, aparentemente, tinham ocorrido de verdade. Se prestasse atenção, pensei, escutaria os gritos dos meninos, da "família numerosa" morrendo junta. A despeito de todo o seu cuidado com minha educação histórica, meu pai esquecera de me contar isto: os terríveis momentos da história foram reais. Compreendo hoje, décadas mais tarde, que de nada adiantaria ele me contar. Só a própria história pode convencer-nos desta verdade. E tendo visto de frente esta verdade - realmente visto -, não se podem mais desviar os olhos dela." (Elizabeth Kostova. O historiador)

Só para contextualizar, nesse trecho a personagem principal do livro, que é filha de um historiador e que nessa época era adolescente, vai à Biblioteca da Universidade pesquisar sobre Vlad de Tepes, o Empalador ou o Drácula (histórico), e lê um documento que trata das crueldades que ele praticava com seu povo e com estrangeiros.

O livro de Elizabeth Kostova é um romance, no qual ela coloca elementos históricos e da pesquisa histórica. É um romance muito bom. Mas o que me chamou a atenção é a forma como ela coloca algumas questões próprias de nós, historiadores. Como esse trecho acima citado, em que ela apresenta brilhantemente o choque pelo qual, acredito eu, todo historiador passa em algum momento.

Lidamos, muitas e muitas vezes, com crueldades. Umas parecem mais distantes de nós, outras mais próximas - e talvez não apenas por causa dos períodos, mas por causa da identificação com aquele que sofre a crueldade. E, por mais "pós-modernista" que se seja, é difícil não passar por aquele momento (de crise, obviamente) em que você está analisando um documento ou lendo um texto historiográfico e repentinamente se dá conta: "Meu Deus, isso aconteceu de verdade, isso foi real!"